quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Dois mundos

"Certa vez, eu, Chuang Chou, sonhei que era uma borboleta, a voejar para lá e para cá, borboleta para todos os fins e em todos os sentidos. Tinha consciência apenas de minha felicidade como borboleta, sem saber que era Chou. Logo despertei, e ali me achava, de novo e verdadeiramente eu mesmo.
Agora, não sei se eu era então um homem a sonhar que era borboleta, ou se sou agora uma borboleta a sonhar que sou homem.
Entre um homem e uma borboleta existe, por força,uma distinção. A transição se chama a transformação das coisas materiais."

Sábio Chinês (Chuangtsé)


Aqui estou. Malmö. Na minha cozinha. Sentada à frente do portátil depois de mais um dia agitado de horas intermináveis, e de tanta, tanta coisa. Nas colunas toca Bon Iver, recente conselho musical, mais uma grande banda para juntar à colecção dos sons que me fazem sonhar antes de ir dormir...

Hoje tive no escritório 13 horas, foi um dia/noite de horas extraordinárias. É preciso perceber que a minha empresa está em restruturação e por isso há muito trabalho a fazer. Nesta e na próxima semana temos que ficar no escritório até tarde a "trabalhar". Temos reuniões muito importantes onde há que tomar decisões sobre os nossos produtos, ou seja, passar a noite a provar vinhos!

Esta noite provámos vinhos da África do Sul, há algum tempo espumantes, há duas semanas tintos suaves italianos, franceses e espanhóis, vinhos alemães (riesling) e portugueses. Para a próxima semana esperam-me vinhos australianos e italianos. As provas são interessantes, passado um tempo começa tudo a ficar vermelho e a conversa a deixar de fazer sentido... por muito que se cuspa o tão precioso vinho!

Os meus sentidos começam a apurar-se. Já distingo os taninos, o carvalho, a idade do vinho, os cheiros a cereja, baunilha, banana, cacau, tabaco e café. Adivinhei o cheiro a maçã num dos brancos e o sabor salgado num dos tintos. Nada mau.

Às 22h00 volto para casa. Tempo de ligar à família, que saudades... Qualquer coisa distante, um mundo de sonho que sinto não ser real, oiço vozes ao longe e murmuros de pratos e talheres de um jantar qualquer de um dia normal, e que hoje me parece tão impossível. Os cheiros da minha casa e os passos da minha irmã.

Falámos do Natal e do futuro... Este vai ser o primeiro ano da minha vida que não vou passar o Natal com a minha família. É como se o meu coração se partisse. Uma escolha que fiz mas que me faz sentir culpada, por muitos "não faz mal" que oiça da minha mãe. Resta-me uma amargura por deixar ao longe aqueles que amo, e, ao mesmo tempo, por ser tão feliz aqui. Vivo dois mundos.

Não há nada tão estranho como o aterrar de um avião e uma porta que se abre em outro mundo diferente. Pareço acordar de vários sonhos loucos, e entre eles este tempo vai sempre passando...
Falámos do futuro, falei em ficar. Ficar neste meu sonho agora. Ser borboleta mais um pouco. Ouvi a preocupação na voz da minha mãe, senti, no coração, não saudade, mas sim a ansiedade do tempo não passado com eles. Do tempo que vou partilhar com outras pessoas, dos jantares que não vou ter no meu alpendre, o meu quarto vazio lá em casa e menos uma voz agitada ao jantar. Saudade? Não é só saudade, é a responsabilidade que temos perante as pessoas que amamos, de estar com elas, depois de tudo o que recebemos. Assim como o meu quente país que me criou.

E há qualquer coisa entre um bater de asas e regressar ao ninho que não se pode juntar. Aqui, aqui sonho sempre, aqui apaixono-me todos os dias, e o meu coração bate mais alto. Em Portugal, agora, sinto que não tenho mais espaço para crescer.

Que fazer?

Não tive tempo de pensar mais. A campainha toca e os meus amigos de sempre chegam, só por chegar. Só por aparecer cá em casa, sem quaisquer planos. Sentados no sofá falamos sobre tudo. Finalmente eu e a Isabelle tivemos coragem para ouvir a entrevista de Hamburgo. Terrível. Na minha voz o nervosismo e indecisão de quem não sabe o que quer da vida, e ainda por cima não dormia há dois dias. Mas mesmo assim gostei (e a Isabelle também). Foi um momento nosso que ficou gravado no tempo. (obrigada Alex, apesar de estarmos extremamente embaraçadas)

E agora, que voltei a pensar, passou mais uma hora, mais uma hora de sonho. Nas colunas ainda Bon Iver, no coração ainda Malmö, ainda Portugal, ainda Brasil, Bélgica, Singapura, Lisboa, Setúbal, e todos os lugares por descobrir...

Hora de dormir...

Boa noite :)

Ao som de:


e de:

4 comentários:

Papoila disse...

Como te percebo tão bem...

ao mesmo tempo estamos a viver experiências tão boas e a perder momentos com os Nossos.

Lígia disse...

Sempre a primeira. Mesmo às 3 da manhã!

Vai dormir minha flor ;)Amanhã ainda é 6a!

Mas os Nossos querem que a gente viva estas experiências maravilhosas... mas depois sentimo-nos culpados!

Que confusão...

Papoila disse...

ohhh... acabei de chegar de um concerto e o Sr. Google Reader disse que tinha novidades da C12 Perdida na Suécia... :)

deixo-te aqui um bocadinho,

http://www.youtube.com/watch?v=UOdJoPc_5VY

Izzie disse...

so beautiful...