sexta-feira, 29 de agosto de 2008

O novo mundo da Lígia é encantador


*Oslo, 10h29, 25 de Agosto de 2008.

Caminho rapidamente em direcção ao National Theatre de Oslo com o meu recente amigo americano, nascido na Turquia e criado no Texas. Ele estava de visita à Europa, há já onze dias, e cruzámo-nos enquanto ambos arrastávamos os pés em direcção ao Royal Palace. Arrastávamos os pés porque, por coincidência, ambos tinhamos apanhado um comboio nocturno para Oslo, o que significa não ter dormido. Eu tinha vindo sentada nove horas, desde Estocolmo, na última carruagem do comboio. Ele tinha vindo deitado oito horas, desde Copenhaga, numa das camaratas sobre carris, onde o companheiro da cama de baixo o obrigou a beber duas cervejas antes de dormir.

O cruzamento das nossas viagens fez-se ali mesmo. Em Oslo, às 8h da manhã.

Duas horas depois, com alguns monumentos já vistos e muita partilha de experiências no que Lisboa e Houston podem ter de semelhante, caminhávamos em direcção ao National Theatre de Oslo. Era para lá estar às 10h20, ou 10h21 como o destino decide que seja, e eram já 10h29. 'A minha amiga diz que está sentada em frente à fonte, em frente à estação de metro, em frente ao National Theatre', expliquei-lhe.

Ele perguntou-se se ela tinha ar mediterrânico. Disse-lhe que sim.

Procurava a minha amiga, com quem me ia encontrar no terceiro dia da viagem pela Escandinávia. Sentada na borda de uma fonte, de perna cruzada, com sacos à volta e a mala pousada bem longe, ali estava ela. Com o queixo apoiado na mão, a cabeça meia inclinada para cima, a olhar não se sabe para onde pois não havia lá nada, ali estava a Lígia. No seu novo mundo.
Gritei por ela e depois de um rodar de cabeça de 360 graus e de uns segundos para regressar à realidade, a Lígia viu-me. Um simpático abraço entre quem, uma vez mais, está bem longe de tudo, com uma nova vida, rodeada de novas pessoas e a viver tudo do início. Apresentei a Lígia ao meu novo amigo. E depois de umas palavras trocadas em português, planeámos o início da nossa viagem por Oslo. A Lígia seria a nossa guia.

Nesse mesmo instante, com um simples encolher de ombros, a Lígia apontou para os sacos. Nunca o texano pensou que naquele dia, em que não tinha sequer dormido, viria a ter de carregar um saco durante quatro horas seguidas. Nesse saco, Lígia tinha o seu saco-cama e um tupperware com talheres. 'Pareço um cigano', disse o Matt algumas horas depois, ao som dos talheres dentro do saco. Apenas me fez regressar à Bélgica, onde os amigos tratavam amorosamente a Lígia por 'cigana', devido às suas vendas consecutivas, às suas várias tentativas de negócio, à sua original relação com o dinheiro. Realmente o amigo Matt tinha conhecido o mais íntimo da Lígia.

Nada tinha mudado, pensei eu. Engano. A partir desse momento de reencontro, e nos seguintes dias (que terminam hoje), concluí que a Lígia mudou.

A Lígia anda muito mais rápido (mesmo com saltos, com chuva e em descidas).
A Lígia não se perde [tanto].
A Lígia conhece as cidades todas.
A Lígia é muito mais organizada.
A Lígia não caiu na última semana (apesar das ameaças).
A Lígia anda de bicicleta pela cidade de Malmö [sem travões na bicicleta] - eu perdi-me quando o tentei fazer, quase caí ao tentar travar com os pés numa descida, desisti e arrumei a bicicleta.
A Lígia já consegue chegar [quase] a horas.
A Lígia viaja sozinha durante os fins-de-semana [sem se perder].
A Lígia criou um mundo novo à volta dela, sozinha, orientando-se e desenrascando-se totalmente.

No entanto há algo que fica:
em qualquer caixa de pagamento, a Lígia bate o recorde de tempo na sua busca infinita da carteira dentro da mala. A pessoa aguarda, ri-se, deixa de se rir, enquanto a Lígia busca e acrescenta: 'estou a ficar nervosa'. Ao remexer na mala, por vezes cai alguma coisa. A última vez, hoje, na fila de um café, saltou um desodorizante, fazendo um enorme estrondo no chão de madeira flutuante.

Mas para quem lê de tempos em tempos as aventuras da Lígia, há que acreditar que há mudanças significativas. Tudo o que a faz ser diferente permanece.

Mas todo o seu novo mundo é encantador.

Intrusamente,
Raquel*


4 comentários:

g. disse...

ahahhahahah

lindooooooooooo

Lígia disse...

Todos os dias vou ao meu bolg e leio isto vezes sem conta... Que saudades! Obrigada pela visita amiguinha, e pelos olhos com que vês o mundo e o tornas tão maravilhoso!

EP disse...

Ligia, embora seja a 1ª vez que comento passo cá regularmente. É uma forma de matar saudade tuas e de dar umas boa gargalhadas.
Ainda não falei com a Raquel, agora regressada de viagem, mas conto fazê-lo antes de eu própria partir de malas e bagagens para um país que nos traz tantas e tão boas recordações.
Fiquei especialmente contente com o teu ultimo post:D

E logo que possa darei ai um salto, está prometido!

Beijo grande grande

Lígia disse...

Só para dizer que, da última vez, em Berlim, depois de uma busca infindável da carteira no restaurante dos hambúrgueres, saltou um par de meias! haha